Resistência à ditadura: o embrião da luta por Direitos Humanos no Brasil


Paulo Roberto Ferreira assina um documento na Polícia Federal, depois de uma invasão à gráfica do Resistência. Foto: Leila Jinkings/Acervo SDDH

A luta dos movimentos populares e de trabalhadores no Pará foi uma das mais emblemáticas ao longo dos anos da repressão estabelecida pela ditadura militar. Apesar das dificuldades de transporte, comunicação e da própria vigilância realizada pelo regime dos militares, várias lideranças da sociedade civil surgiram no Pará e contribuíram com a organização da luta contra a ditadura em todo o Brasil.

Um dos nomes mais significativos nesse processo de resistência é o de Paulo Fontelles, que começou sua trajetória em 1968, no movimento estudantil. Em 1970, Fontelles recebeu da Ação Popular, movimento de que fazia parte, a tarefa de organizar o movimento estudantil em Brasília. Na capital federal, o militante foi preso e torturado em 1971 e, depois disso, impedido de continuar o curso de direito. Em 1975, voltou ao Pará e, depois de uma penosa luta judicial, conseguiu o direito de voltar à Universidade Federal do Pará, onde se formou em 1977.

Ainda em 1977, participou com outros militantes da fundação da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos, na época chamada SPDDH (hoje só SDDH), que na segunda metade da década de 70 foi o principal ponto de convergência de todos os movimentos da sociedade civil que se opunham ao regime militar. A SDDH, da qual Paulo Fontelles foi o primeiro presidente, foi uma das primeiras entidades de defesa dos direitos humanos fundadas no Brasil, e contribuiu para que outras iniciativas dessa natureza fossem realizadas em vários outros estados.

“Em 1976, afigurava-se aqui no Pará uma luta cruel e desigual. Os guerrilheiros do Araguaia tinham sido dizimados, a oposição democrática quase calada, os sindicatos nas mãos dos pelegos, na quase totalidade; o movimento operário desarticulado, o movimento estudantil esfacelado, buscando a reorganização na clandestinidade; os partidos revolucionários todos buscavam uma saída, uma forma de, à plena luz do dia, se fazer ouvir e propagandear a luta pelas liberdades políticas”, escreveu Isa Cunha em 1987, por ocasião do aniversário de 10 anos da SDDH, quando ela era a presidente da entidade.

Isa diz ainda que a SDDH nasceu nesse clima e teve o papel de aglutinar toda a oposição de esquerda à ditadura militar, “lutando por anistia ampla, geral e irrestrita, pelas liberdades políticas, pela reforma agrária radical e imediata, por eleições livres e diretas em todos os níveis, lutou contra a Lei de Segurança Nacional e contra os órgãos do aparelho repressivo e contra a tortura, principalmente”.
Dedicada a enfrentar o regime e as violações de direitos cometidas pelos militares, a SDDH lançou em 1978 o Jornal Resistência, veículo da imprensa alternativa que divulgava os casos de tortura, abusos e atrocidades da ditadura. Por isso, o Jornal Resistência se tornou referência entre os veículos da comunicação alternativa que tiveram um papel decisivo no enfrentamento do regime militar e que por várias vezes foram contempladas com o prêmio Vladimir Herzog de Direitos Humanos, em 1979, 80, 81 e 82.

Uma das matérias premiadas, de novembro de 1979, trouxe fotos e os nomes de agentes da Polícia Federal e do DOPS que estavam infiltrados nos movimentos populares. A matéria trouxe como título “Repressão dá mancada: os agentes não são mais secretos”, um verdadeiro golpe no orgulho dos organismos de repressão da ditadura. O Jornal Resistência de número 5, de 1978, trazia depoimentos de vítimas de tortura nas mãos dos militares, entre eles de Paulo e Hecilda Fontelles, de Humberto e Izabel Cunha. Toda a edição do Jornal foi apreendida e censurada pelos militares, mas seu conteúdo foi reeditado e publicado em números posteriores do jornal.

“Nós vivíamos numa tensão constante, de que a qualquer momento a gráfica poderia ser invadida e nós fôssemos presos pelo regime”, diz Paulo Roberto Ferreira, um dos antigos editores do Jornal Resistência. A pastora da Igreja Luterana, Rosa Marga Rothe, que participou ativamente das mobilizações da SDDH e dos movimentos religiosos de resistência, lembra da vigilância constante do regime. “Nós fazíamos nossas reuniões escondidos, mas nós sabíamos que estávamos sempre sendo observados. Ou eram os agentes infiltrados, ou era um caminhão que parava próximo de onde nós estávamos e que ficavam nos olhando pelo retrovisor. Existia um risco sempre, mas isso nunca nos impediu de lutar contra a repressão”.

Hoje, depois de 35 anos da fundação da SDDH, ainda há muitas lutas a serem travadas. A abertura dos arquivos dos militares é uma delas. Reforma agrária, tortura, democratização da comunicação, entre vários outros assuntos, são temas que continuam tão vivos na agenda dos movimentos sociais como estavam há três décadas. Que venham mais anos de lutas e que cada vez mais pessoas entendam que resistir é o primeiro passo.

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